Teoria Geral do Processo

segunda-feira, 9 de março de 2009

A jurisdição - continuação



Tópicos:

  1. Classificação quanto à graduação
  2. Classificação quanto ao objeto
  3. Classificação quanto à origem
  4. Classificação quanto aos organismos judiciários
  5. Classificação quanto à forma

Jurisdição, como vimos, é o poder de aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto. É o poder-dever do Estado. Relembrando isso, também precisamos lembrar que esse poder-dever é derivado de que? Da soberania do Estado. Vimos também que a soberania é uma coisa só, mesmo a que tenhamos desmembrado em poderes, bem como a jurisdição. Só que teremos várias aplicações para essa jurisdição, então fazemos uma classificação dela. Vamos começar.

 

Classificação quanto à graduação 

Se temos uma ação que foi ajuizada, o Estado profere uma decisão, e dela podemos recorrer. Quando o fazemos, haverá outro órgão da jurisdição que analisará novamente aquela lide. Então isso implica numa situação simples: temos uma jurisdição inferior e uma superior. Portanto é fácil entender a classificação quanto à graduação.

Se ajuízo algo para o juiz da Segunda Vara Cível de Brasília, ele exercitou a jurisdição. Quando recorremos, estamos pegando aquela decisão e levando a outro órgão da jurisdição para reexaminar aquela lide. Estamos devolvendo a matéria, que é o efeito devolutivo dos recursos. Veremos isso melhor depois. Devolvemos ao tribunal a matéria, pedindo que se reexamine por conta dos motivos expostos. Como em ambas as situações temos jurisdição, em que se aplica o ordenamento jurídico ao caso concreto.

E o STJ e o Supremo? Não são eles órgãos da jurisdição também? Por que não são chamados, então, de terceira instância? Porque essa devolução do problema para que se resolva já se tornou restrita. Os Tribunais Superiores não conhecerão a lide como a primeira e a segunda. Estas analisam os fatos e as provas. As instâncias superiores só analisaram a questão de direito. As formas de interpretação, por exemplo. No âmbito da legislação infraconstitucional entra o Superior Tribunal de Justiça, enquanto o Supremo Tribunal Federal analisa os recursos no tocante à Constituição. Por isso falamos apenas em duas instâncias.

 

Classificação quanto ao objeto

Ou é civil, ou é penal. Ao falar em civil, falamos em tudo o que não é penal, daí a denominação “extrapenal”. Temos, portanto, a jurisdição penal, em que os órgãos do poder jurisdicional aplicarão a lei quanto às matérias penais, e também a jurisdição civil, em que os órgãos do poder jurisdicional aplicarão a lei quanto às matérias civis.

Já ouviram os termos “juízo singular” e “juízo colegiado”? Singular, como diz o nome, trata-se de apenas um julgador. No colegiado há mais de um. Logo, em primeira instância, temos, em relação à nossa justiça do DF, costumamos ouvir noticias começadas por "o juiz da Primeira Vara Cível..." Se temos um recurso dessa decisão e devolvemos a matéria para o Tribunal de Justiça do DF, haverá as turmas, cíveis ou penais. “Turmas” exatamente porque são órgãos colegiados. Dentro dos tribunais, temos as turmas, as sessões e o pleno.

  1. Turma: órgão colegiado menor;
  2. Sessão: órgão colegiado mais numeroso;
  3. Pleno: o órgão integral, ou representado pela maioria de acordo com o regimento interno do tribunal.

Quando falamos com relação ao objeto penal e civil, temos as turmas cíveis e as criminais. São órgãos especializados em julgar tais matérias. Em outras palavras, órgãos específicos para exercitar aquela jurisdição penal ou aquela jurisdição civil.

 

Classificaçao quanto à origem

Pode ser legal ou convencional.

O que dá origem à jurisdição? A regra é: o Estado que aplica. Quando temos um contrato em que não se dispôs de maneira clara determinada vontade, onde resolveremos o problema? Buscando o Estado, com o seu caráter substitutivo da vontade das partes. Então, temos as partes litigantes, e o Estado substitui suas vontades. Esse é o modelo coercitivo que a jurisdição tem. Entretanto podemos estipular coisas em nossos contratos. O que fazer? Não podemos nos utilizar da arbitragem? Pode-se estipular o seguinte: “se formos resolver qualquer coisa a respeito do contrato, resolveremos na arbitragem, certo?” Esse é um acordo que se pode fazer num contrato. Se uma das partes não concordar, nada feito; a regra geral será aplicada. Se concordar, haverá uma convenção entre as partes, então dizemos que estamos buscando a jurisdição convencionnal A legal, portanto, seria a que deriva da própria aplicação da lei, caso uma das partes não concorde em se valer da arbitragem em caso de conflitos.

Na legal, quem exercita a jurisdição? O Estado-juiz. Na convencional, o árbitro, um particular autorizado por lei.

 

Classificaçao quanto aos organismos judiciários

Temos aqui outra feição: temos os comuns, tanto na esfera federal quanto na estadual. Temos aqui em Brasília a Justiça Federal . Ela cuida da aplicação da legislação federal aqui no DF. Se se tratar, por exemplo, de uma ação contra a União, então ajuizamos essa ação na Justiça Federal do Distrito Federal. Se a ação, por outro lado, for contra o DF, será uma questão distrital. O DF, como é exceção, faz papel de estado e de município. Sendo no estado de São Paulo, usa-se a Justiça Estadual de SP; se for contra um órgão federal sediado em São Paulo, a ação deve ser ajuizada na Justiça Federal de SP. Essa é a regra comum: estados ou justiça federal.

Mas há uma matéria completamente diferente disso: é a justiça militar. La, há regras próprias. Temos pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro. Então, foi criado um órgão próprio para cuidar dela. Portanto, quanto aos órgãos judiciários, podemos classificar a jurisdição como comum ou especial, sendo a justiça militar pertencente a essa última classificação.

 

Classificação quanto à forma

Atenção aqui. Envolve uma diferença conceitual importante.

Quanto à forma, temos a contenciosa e a voluntária.

Quando temos uma jurisdição contenciosa? Já ouviram o termo “contenda”? É quando há uma lide. Significa que há um litígio. Então, há casos em que temos lide e há casos em que não temos lide. Vamos partir desta premissa. A doutrina típica trabalhava apenas com isso: Se há lide, a jurisdição é contenciosa, se não, é voluntária. Mas a doutrina atual vai além disso. Quando temos uma lide, temos a formação daquela relação jurídica processual ¹:

relação jurídica processual 

A e R são as partes. Por que são chamados partes? Porque são sujeitos processuais, sujeitos da relação jurídica processual. Mas o juiz também é. Qual a diferença deste para aqueles? É que o juiz tem que ser imparcial, enquanto as partes têm que ser parciais. É por isso que temos lide entre A e R. É um conflito de interesses entre os dois. Agora, vamos pensar: como seria então essa relação jurídica sem uma lide? Lide, como sabemos já repetimos exaustivamente, é um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Como temos então uma relação processual sem ter isso? Um exemplo é a separação judicial consensual: os interesses das partes estão alinhados. Se for litigiosa, a separação já conterá um conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida. Mas, na consensual, os dois sujeitos chegaram à conclusão de que deveriam se separar mesmo. “Não quero mais”, dizem ambos. E estão de comum acordo. Os dois estão com os interesses alinhados. Logo, não há lide. Como é a relação jurídica processual?

relação jurídica processual 2

Requerente 1 + requerente 2 e o juiz. O esquema, agora, só contém um dos lados do triângulo. Separar é a manifestação de vontade, de modo formal, perante o juiz, com a vontade contrária àquela que tinham os sujeitos no momento do casamento. Tanto que, se o juiz perceber que uma das partes titubeou na hora de manifestar a vontade de se separar, ele imediatamente marcará uma nova audiência. Se não voltarem no prazo, significa que resolveram o problema, ou celebrando uma nova união, ou se mataram. De qualquer forma o problema exposto (a separação) foi resolvido.

Se chegar a nova audiência e o casal retornar com a intenção de resolver um processo, o juiz apenas chancelará, por meio da sentença, homologando aquela vontade. Quer dizer: ambos comparecem em juízo dizendo “quero me separar”, e o juiz, vendo que não há divergências nas vontades, apenas chancelará, por meio da sentença, a vontade das partes. Note que aqui não tem lide; o juiz apenas fez uma homologação.

O motivo desse nome é porque é a vontade das partes que move o processo. Se há lide, caímos no esquema triangular original, se não, os sujeitos estão alinhados na mesma parte, e não haverá a parte contrária. Na primeira, ocorre substituição da vontade, na segunda, há a chancela com a reafirmação da vontade.

Última coisa de hoje:

Já falamos sobre a arbitragem. Quando ela cabe?

  1. Primeiramente, deve haver pessoas capazes. Um incapaz já invalida a possibilidade de haver arbitragem para a resolução de um conflito.
  2. Deve, também, se tratar de direito patrimonial disponível. Direito à liberdade, por exemplo, não é matéria para arbitragem, pois tanto não se trata de direito patrimonial quanto não se trata de bem disponível. Logo, está claro que matéria penal não cabe à arbitragem.

O Estado só deu um pedaço desse poder ao particular. Finalmente, a jurisdição deve ser feita por pessoas ou órgãos autorizados pelo Estado. Ao não ficar contente, pode-se recorrer a um órgão colegiado superior, de acordo com o que dispõe a lei de arbitragem (Lei 9307/96).

Antigamente, como produto da arbitragem havia apenas um acordo arbitral. Enxergava-se a arbitragem apenas como uma forma de mediação. Por isso chamava-se acordo arbitral. Nessa época, esse acordo não valia tanto quanto uma sentença, pois esta poderia ser executada, enquanto o acordo não. O acordo precisaria de uma homologação judicial. Então, a arbitragem ainda estava dependente. Agora, depois que o uso da arbitragem amadureceu, há, no lugar do acordo, a sentença arbitral, que tem força executiva. O que é isso? Buscar a satisfatividade. Lembram da executio, um elemento da jurisdição, vista na aula passada? É a busca da satisfatividade.

No entanto, há casos em que basta a declaração judicial. Como assim? Uma ação declaratória pura. Só nos interessa, nos basta, a declaração em juízo. Vamos dar um exemplo concreto. Digamos que temos, por exemplo, uma atividade qualquer, e entendemos que nela não cabe a incidência de um tributo porque não está caracterizado um fato gerador, como em contratos de compra e venda. E se o órgão competente me cobrar? Ajuízo uma ação declaratória de inexistência do fato gerador daquele tributo. Não se preocupe se ainda está confuso, veremos melhor isso em Direito Tributáriob. Um outro exemplo mais familiar: compra e venda de automóvel entre particulares. Um sujeito vende um carro a outro, que, antes de fazer a transferência para seu nome, atropela alguém. Havia uma testemunha que anotou a placa do carro, e denunciou à polícia. Ao verificar de quem era a propriedade daquele veículo, viu-se que era o sujeito que vendera o carro, portanto não mais possuidor! Viram o tamanho da dor de cabeça. Portanto, um conselho é sempre fazer contrato de compra e venda, de preferência especificando o dia e hora em que o veículo foi entregue ao comprador. Nessa situação, como deve se defender o sujeito que não mais possui o carro? Afinal, é sobre ele que recairão as suspeitas sobre o homicídio praticado no trânsito. O que ele deve fazer é ajuizar uma ação declaratória de existência do negócio. Serve para atestar que houve um negócio jurídico tendo como objeto aquele carro que serviu para matar alguém. Ao se provar, o juiz declara, por meio da sentença, de que o negócio era existente, e portanto que o proprietário não deve ser responsabilizado, mas o possuidor, que é o comprador que demorou a fazer a transferência de nome do automóvel.

Essa é um tipo de ação declaratória pura. Por que pura? Porque há outro tipo de ação, que não apenas declara a culpabilidade de alguém, mas também condena, enquanto esta apenas declara.


  1. Discutida em detalhes na aula de 13/02.