Direito Civil

sexta-feira, 19 de março de 2010

Estipulação em favor de terceiro e vícios redibitórios


7 – Estipulação em favor de terceiro e vícios redibitórios
7.1 – Da estipulação em favor de terceiro
7.1.2 – Partes
7.1.3 – Da Estipulação e o Código Civil

7.2 – Vícios redibitórios
7.2.1 – Requisitos
7.2.2 – Vícios redibitórios x erro no negócio jurídico
7.2.3 – Ações para defesa contra vícios redibitórios
7.2.4 – Vícios redibitórios no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

Vamos ao conceito de estipulação em favor de terceiro: “Contrato pelo qual uma pessoa obriga-se perante outra a conferir um direito em favor de quem não participa dessa relação contratual”.

Há três pessoas envolvidas, mas duas participam da relação contratual. “Terceiro” porque não contrata nada. O contrato obriga as partes. Excepcionalmente, quando a lei determina, ele poderá trazer benefícios, vantagens para quem não participa da relação.

Estipular em favor de terceiro é contratar com alguém para que outra pessoa ganhe algo. Qual é o melhor exemplo? Inicialmente pensamos na propina, mas este não é um contrato válido por ter objeto ilícito... seguro de vida é o mais imediato exemplo. Outro é o seguro contra acidentes.

A estipulação é um contrato que precisa de outro, portanto, é acessório. Outro típico contrato é o ilustrado a seguir: há cerca de sete anos foi lançado determinado automóvel, que foi um sucesso de vendas. Aí a empresa vendedora de carros, chamada “Corra”, ficou sem nenhuma unidade para vender. Para satisfazer os interessados em comprar aquele carro, a empresa ficou de fazer uma “lista de chegada” de interessados. Talita, Amanda, Bruno, Douglas, e assim por diante, nesta ordem. Até agora não há contrato nenhum. O dono da Corra, que vamos chamar aqui de Raul, vende a empresa para Paulo. Raul, homem sério, disse que fará a compra e venda, mas colocará uma cláusula estipulando um benefício a terceiros. “Se quer comprar, que seja assim.” Quem é o terceiro? A lista.

Quem é o estipulante? Raul. Prometente será o Paulo. Beneficiário será a lista. Esses são os elementos dessa relação. Claro e lógico.

Agora vamos ler o Código Civil, para entendermos os direitos dessa lista. Estão nos artigos 436 em diante. Art. 436: “O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.” Quem pode exigir naquele caso? Raul, o estipulante. Se Paulo não cumprir, Raul poderá exigir o cumprimento da obrigação em juízo.

Parágrafo único: “Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.” Significa que o contrato deve prever a anuência para a exigência do beneficiário.

Art. 437: “Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.” Reclamar a execução é exigir o cumprimento da obrigação. Vamos entender isso. Raul chamou as pessoas da lista para anuir à transferência. Se Paulo quiser liberar-se da obrigação de dar preferência às pessoas da lista, ele não poderá, desde que Raul tenha dado àquelas pessoas o direito de executar a obrigação.

Art. 438: “O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.” Raul, a qualquer tempo, poderá substituir a lista. O que não pode é a cláusula deixar de existir. Significa que Talita, que estava em primeiro naquela lista, poderá ser removida. Exemplo de substituição: fiz um seguro de vida em favor de meus filhos. Estou velho, e meus filhos não querem saber de mim. Posso substitui-los pela Adriana, minha adorável personal trainer. Note que a cláusula não deixou de existir; somente os beneficiários foram substituídos.

 

Vícios redibitórios

Vamos nos concentrar nesta parte de grande importância para o nosso Direito Contratual.

Conceito de vícios redibitórios: vícios ou defeitos ocultos em coisa recebida em virtude de contrato comutativo que torna uma coisa imprópria ao uso ou lhe diminua o valor.

Vamos entender isso. Eu crio cavalos de corrida. Comprei uma égua por R$ 200 mil. A égua, como praxe, depois de cada corrida, submete-se ao check-up feito pelo veterinário, como se faz nos cavalos corredores. Ele diz: “essa égua não tem útero”. Égua de corrida não cruza, pois, ao ter filhote, ela fica mais lenta. Pergunta-se: tem como batermos o olho e vermos que ela não tem útero? Não tem como. A falta de útero tornou a égua imprópria para correr? Não. Então, não temos vício redibitório nessa transação. Redibir, no latim, quer dizer “enjeitar”, ou “devolver”. É um vício que justifica a devolução da coisa.

Mas, eu, que cuido de equinos há muitos anos, comprei um cavalo, depois do incidente acima, também com a intenção de colocá-lo para correr. Na corrida ele foi mal, ofegante. O veterinário descobriu que ele tinha um problema pulmonar. É oculto esse problema, pois também não é possível uma pessoa leiga determinar com uma simples olhada. O contrato de compra e venda do animal, por outro lado, não deixa de ser comutativo. O problema tornou o cavalo impróprio ao uso? Sim. Diminuiu o valor pois ele se tornou praticamente imprestável para a corrida; é vício redibitório e justifica a devolução do cavalo.

 

Requisitos do vício redibitório

Não pode faltar nenhum desses na prova.

  1. O defeito deve ser oculto;
  2. Deve ser proveniente de contrato comutativo;
  3. O alienante tem que estar de boa-fé. O alienante é o vendedor, quem vendeu. Basicamente o contrato pressupõe boa-fé das duas partes. Mas, no vício redibitório, o mais importante é a boa-fé de quem vende. Se o vendedor do cavalo estiver de má-fé, poderei pedir perdas e danos por isso;
  4. O defeito deve ser grave, a ponto de ser suficiente para que, se soubesse dele, eu não faria o negócio;
  5. Deve tornar a coisa imprópria ao uso ou diminuir-lhe o valor.
  6. O defeito deve existir no momento da feitura do contrato. Volte ao exemplo do cavalo. Estava muito úmido no estábulo, e nisso ele ficou com fungos no pulmão. Não é vício redibitório, pois foi posterior à tradição. O que importa é a existência do problema, não sua manifestação. Outro exemplo: comprei uma égua pequenina, para reprodução. Quando atingiu a idade adulta, o veterinário me informa que o útero dela não se desenvolveu. É vício redibitório. E a prova? Cabe a quem alega. Note que você não precisa escrever que você compra a égua para corrida, mas terá que provar qual era a finalidade.
Não existe vício redibitório só em contrato de compra e venda. Em caso de locação também pode ser justificada a redibição. O vício tem que fazer com que a pessoa não tivesse feito o contrato, caso soubesse.

 

Erro no negócio jurídico versus vício redibitório

São coisas bem diferentes. Muita gente confunde, inclusive os que trabalham com isso diretamente. Vamos, então, imaginar uma situação: Melissa vai a uma loja ali na 109 Sul em busca de um lustre para suas luzes, que pretende instalar em sua sala. Ela nota o que lhe parece ser um lindo lustre de prata. Ela dirige-se ao vendedor, e pergunta-lhe qual o material daquele lustre. Ele responde: “prata!”

Ela desembolsa, então, uma considerável quantia e compra o lustre, e instala em sua sala. Passado um tempo, ela resolve usar um óleo específico para a limpeza de prata... quando ela passa o líquido no metal, supresa: tudo fica preto. Daí ela descobre que, apesar do preço, aquilo não era prata coisa nenhuma. Possessa, resolve ajuizar contra o vendedor.

Perguntamos: isso é um caso de vício redibitório? Não! Aqui está o erro que muitos cometem. Não é vício redibitório pois o erro estava no sujeito da relação, e não no objeto comprado. O defeito, na verdade, não era no lustre; ela era um lustre comum, de metal prateado, mas não de prata. Isso significa que não foi defeito no objeto.

Melissa, na verdade, estava em erro. Ela foi descuidada. Mais precisamente, este foi um negócio jurídico eivado de dolo. Mas, ainda assim, foi algo subjetivo e não objetivo. Essa é a diferença: pessoas iriam ajuizar alegando vícios redibitórios. Não é o caso, mas sim vício no negócio jurídico. Qual a ação certa para se ajuizar? Ação anulatória de negócio jurídico.

Para os vícios redibitórios, temos as ações edilícias. As edilícias se dividem em duas: podem ser a) redibitórias ou b) quanti minoris. Nas redibitórias, quer-se a devolução, redibir. Na quanti minoris, pede-se o abatimento do valor. Ou pode-se pedir também a troca da coisa.

A inicial de uma ação edilícia, primeiramente, aponta o defeito. Depois, o pedido (não exatamente nestas palavras): “quero redibir a coisa e o dinheiro de volta. Mais: todos os gastos referentes ao contrato.” Deve-se voltar ao status quo ante.

E terceiro, se houver má-fé comprovada do vendedor, poderá o lesado pedir perdas e danos.

Nas ações edilícias, quem escolhe é quem ajuizou. Ele escolherá se quer redibir ou ajuizar ação quanti minoris. Os dois pedidos não podem ser feitos ao mesmo tempo; deverá ser um ou outro. Note que o juiz não poderá entender que houve vício redibitório mas determinar que somente o abatimento será feito. A escolha é exclusiva de quem ajuíza. Não cabem pedidos alternativos aqui.

Vamos às diferenças entre o tratamento dos vícios redibitórios no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Temos que entender como o CDC trata os vícios redibitórios. O maior volume deles se aplica à Lei do Consumidor. O funcionamento é bem diferente entre o Código Civil e o CDC.

 

Vícios redibitórios

Código Civil

Código de Defesa do Consumidor

Conceito

Abrange defeitos ocultos. 

Defeito oculto, aparente, ou de fácil constatação, qualidade do produto ou serviço não correspondente à propaganda, rótulo, etc.

Objeto

Bens móveis e imóveis

 Produtos móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos e serviços.

Efeitos

 Rescindir o contrato, pedir abatimento do preço, ou substituir ou consertar a coisa.

 

Prazo de decorrência para ajuizar

Três situações:

  • Bens móveis: 30 dias para ajuizar a ação, a contar da tradição;
  • Bens imóveis: um ano da tradição;
  • Terceiro caso: metade do tempo, se na posse.


Duas situações:

·         Produtos ou serviços duráveis: não durável é o que, com o uso, diminui de volume ou tamanho. Temos 90 dias a contar da constatação do problema, se se tratar de vício oculto, e da entrega, se for aparente.

·         Produtos não duráveis: também chamados de consumíveis. Para estes, 30 dias da constatação, se for oculto, ou da entrega ou término, se for aparente.

Observação: se aguardá-los trouxer prejuízo profissional, o comprador poderá exigir imediata troca. CDC, art. 18. “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. [...]